domingo, 4 de abril de 2010

Fantasia para “Your Arms Around Me”, de Jens Lekman

A harpa e a flutuação de dois pares de pés. O mais simplificado e pronto acerto de sintonias como se o início do meu verso fosse uma extensão do teu, e vice-versa. Um “me” (em inglês) prolongado até que nos esqueçamos de como começou. Falar sobre a estética dos videoclips sem reparar que podíamos até estar dentro do videoclip de “All I Need”, dos Air. As cordas e a boa moca. O lixo comum que há-de ficar no carro durante dias como eco. De novo as cordas e a suspeita de que sou capaz de me enamorar pelas janelas só porque te exaltam. Uma canção tão bonita só pode ser um single para ouvir muitas vezes ou o primeiro avanço de um álbum incomparavelmente bom.

Tu pões os teus braços à minha volta.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Noite Escura

Voltei a encontrar no “Noite Escura” alguns dos traços que nem sempre aprecio ver no cinema português. Nunca tinha visto um filme do João Canijo, mas conhecia bem os trailers de “Filha da Mãe” e “Sapatos Pretos”. Sem saber antecipadamente da filmografia do realizador, havia qualquer coisa no “Noite Escura” que me fazia lembrar pedaços já vistos aqui e ali. Isso até é sinal de que o realizador trabalha um estilo próprio. Óptimo.

Antes de mais, é importante referir que o “Noite Escura” é dos retratos mais pessimistas que já vi da família portuguesa: uma família (pai, mãe e duas filhas) vivem literalmente num bordel e a acção do filme passa-se durante uma só noite nesse “som de cristal”. Existe o cruzamento de muitos dramas e um bom desenho da posição que cada membro ocupa na família, mas há também um aspecto muito gratuito nas cenas que deviam implicar reacções mais realistas. Sem entrar em detalhes, refiro apenas que a morte não é tratada com grande verosimilhança em “Noite Escura”. Parece a certa altura um mero pretexto para preencher mais umas quantas linhas de diálogo. Um filme que não sabe gerir a eficiência da morte acaba sempre por ser um pouco afectado pelo ridículo daqueles filmes que podiam ter uma contagem de cadáveres num canto inferior.

Depois existe outro ponto franco que é muito comum no cinema português, sem que eu entenda bem porquê: alguém me explica porque são quase inaudíveis tantos dos diálogos? Faz sentido num filme como “Noite Escura” haver uma sobreposição de vozes, para frisar todo aquele frenesim do bordel, mas é tortuoso o esforço para perceber alguns dos diálogos acessórios. As conversas entre família são bem mais perceptíveis, é certo. Ainda assim, falta sempre uma fatia essencial para o entendimento de um filme tão incidente nas relações humanas. Falta sobretudo aquela tal empatia.